quinta-feira, 11 de setembro de 2008

11 de setembro

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Não, não é dia de dar adeus à vida.
Não ir só para encontrar o pai, e lhe dizer que tinha razão, que o tempo me trouxe a verdade. Nem a saudade indescritível das palavras não trocadas, nem essas me fazem querer reencontrar meu filho, pelo qual consagrei toda minha vida. Nem dos meus avós, para retribuir-lhes o afeto e pedir-lhes desculpas pelas tantas travessuras. Certamente eles compreenderam.
Não pretendo desanimar só por que me tomaram meu promissor negócio de comércio internacional, em prol dos amigos do corrupto.
Tampouco me tocam os milhares que me extorquiram, armados com a hipócrita espada da justiça.
Por conhecer seus vis integrantes, pouco liguei quando me despojaram da bóia, cedida por meu pai, antes de falecer. Servia a um filho deles.
Também por conhecer
a ambição e a falta de imaginação dos medíocres, nem dei bola quando, depois de trinta anos tratando de atletas profissionais, os dirigentes me dispensaram como se fosse um daqueles pernas-de-pau, e que nada me deviam, sequer agradecimentos.
Desconhecia que meus irmãos estavam de olho nos meus rendimentos, de modo que quando usurparam minha parte da parca herança, nunca mais pude dispô-la.
Também não iria me matar só por que um filho remanescente me jogaria na cara que tinha vergonha de mim, enquanto a que chegava da Europa, depois de lá morar por cinco anos, eu só soubesse muitos meses depois, e, ainda assim, não quis me ver.
Não morri de desgosto quando tudo isso aconteceu depois que lhes destinei o que pude reter - um belo apartamento rodeado de jardins e piscinas, um carro do ano para cada um, formatura completa, viagens internacionais, e tanto mais que só um pai pode avaliar, mas, gozado, não quem recebe.
Não iria me aniquilar só por causa de uma voz grossa que atendia ao telefone de minha casa, enquanto eu passava a semana no mato cortando lenha. Era o pai de minha mulher, e ele entendia melhor como educar meus filhos.
Tampouco iria me abalar quando ele me disse que com ele o divórcio seria civilizado, porque, se era com ele, ele que fizesse com sua mulher.
Não seria a ausência dos amigos que iria me induzir a me sumir. Quando morreu meu filho a Igreja estava repleta, e todos me confortaram, para o resto da vida.
Não iria querer me matar se pela falta de rendimentos e do patrimônio amealhado, e por causa disso tivesse meu crédito suspenso, depois de quarenta anos de lutas. Tampouco não tem maior importância eu não poder abrir uma conta para receber de alguma fonte.
Não me importou ser julgado responsável por um acidente cometido por um funcionário que trabalhava à empresa da qual era gerente, cujo resultado teve a torção de um tornozelo de um pedestre, e a indenização de MEIO MILHÃO de reais que fui obrigado a pagar.
Afinal, me foi facilitado: metade no ato, eo restante em 20 anos!
Não seria o fato de uma senhora perguntar o quê haveria comigo, e eu lhe dizer que estava até com fome, e ela me informar que não tinha dinheiro para me dar. É que ela comia dinheiro, e não poderia supor que apenas um pão me fosse suficiente. Tampouco fiquei magoado com minha mãe, quando lhe disse que há dois dias não comia. Para ela isso era bom, a gente emagrecia.
Não morro de vergonha só porque já não tenho mais dentes. Eles não me fazem falta. Há anos não sorrio; e raramente como.

Não quero morrer só por ver um mísero operário, pelego da ditadura, um falso malandro, cada vez mais gordo. Tanto faz a turba aplaudi-lo.Também não iria me importar com aquele outro grande impostor, que continua angariando homenagens, todas compradas com os recursos de mim extraídos.
Entendi porque meus colegas psicólogos não admitam meu trabalho: eu abandonara a cátedra. Não me chateia me negarem a possibilidade de trabalhar como um mísero vendedor de automóvel, muito menos como corretor de imóveis, embora me fizessem gastar as parcas economias em me adequar ao sindicato.

Embora decepcionado, não seria o fato de eu pedir, mas ninguém abrir o meu blog que me levaria ao desespero. Isso muito lhes custaria, e por certo nada lhes adiantaria.

Para mim não tem problema não ter automóvel, já o tive por meio século, e agora não tenho sequer onde ir.
Não seria a inveja de apaixonados namorados que entristeceria uma alma que não sensibiliza mais ninguém.

Não seria por ter vivido fartos natais, passados no meio de enormes fazendas e rodeado de muita gente que agora eu, por não ter sequer onde cair morto, iria justo agora cair.
Também não seria porque a humanidade, conduzida por famintos lobos travestidos de pastores, segue o rumo do brete cantarolando as canções de otimismo, e condenando quem da marcha não participa, que eu iria me sentir condenado. Não me aborrece quando a imprensa comprada anuncia que vai tudo bem, enquanto a criminalidade se multiplica de modo geométrico. Eu não saio mais faz tempo.
Nada que me é externo faz efeito no meu sentir.
Porém, se não há sentido, qual a razão de existir?
Envio-te um sonho. Um novo sonho. Que tal?

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