O que espera de aniversário?
Que ele passe.
Mas as pessoas não ficam mais generosas?
Ninguém é generoso. Todos se movem por interesse.
Não estás sendo cruel demais? E quando lhe estendem a moedinha, qual é o interesse?
São vários motivos; nenhum por generosidade, asseguro. De qualquer modo agradeço, sim.
Discordo. Criança não tem interesse; e velhos já o perderam.
Uma ocasião recebi uma moeda por iniciativa de uma criança. É inesquecível para mim. Quanto aos velhos, apenas alteram o interesse, mas todos mantém interesses, pelo menos dois: a vontade de morrer sem dor, e ir direto para o céu.
Se você não acredita na generosidade das pessoas, ou mesmo alguma solidariedade, o que o faz ficar aí, sentado na beira-da-calçada? Esperando o que, então?
Não espero nada. Aprendi a viver, só. Você sabe, vitórias não trazem aprendizado. Como muito perdi, muito aprendi.
Isso é o que você pode dividir? O nada?
Mas o que queres de mim?
Bem, é apenas uma entrevista, muito peculiar porque ninguém entrevista nenhum coitado, só superstars. Imagina se um paparazzo iria sair atrás de você!
Seria muito mais fácil para ele. Minha mobilidade é quase zero. Tenho que poupar energia, porque ela é pouca e custa caro. Mas diga o que quer saber.
O que de melhor aprendeu?
Em primeiro lugar, que se desepero faz mal, a esperança também.
Essa não! Qual é o mal?
Ao esperançoso acorrem várias incidências; como todas rumam ao ponto comum, são coincidências.
Diga uma, apenas.
Fácil. A simples espera. Grávida é obrigada, mas é sacrificoso.
Essa é meio discutível. Precisa reforço.
A frustração de não acontecer. As chances são meio a meio; portanto, uma vez acontece, outra não. A que acontece, por esperada, dilui o efeito. A que não chega traz uma frustração tão danada que é capaz de matar a gente.
Não concordo com a proporção. Depende do ato ou do quê se espera. O dia de amanhão, por exemplo, tem cem por cento de probabilidades de acontecer.
Mas só se formos imortais! A esperança depende do agente. Quem não tem, e nem espera, nada tem a perder.
Você não pode carregar bebê na barriga; portanto é incapaz disso avaliar. Nada quer da vida? Nem um amanhã? Não tem pelo menos uma esperançazinha de algum dia ganhar boa esmola?
Não preciso de esmola.
Quack! como não? E o que faz aí, sentado?
Olho o movimento. Em algum lugar do mundo eu tenho que ficar. Como não tenho casa, não tenho chão, e gosto das pessoas, venho aqui para apreciá-las.
Essa não. Tens alguma herança escondida, por acaso?
Nada. Essa é outra coisa que se aprende na marra, quando tudo se perde. Não preciso mais de dinheiro. Faço apenas uma pequena refeição por dia, num albergue, e assim mantenho minha forma, como só pobre sabe manter.
E higiene?
Se fosse diária era melhor, mas nada se faz essencial. E no almoço tem uma pia.
O frio?
Pingüim não sente frio porque é acostumado com ele.
Está bem. O calor, então?
Calor sente um jogador de futebol; no entanto, é feliz.
Nada te incomoda?
Quase todos me incomodam. Passam por mim como se eu fosse um pedaço de pedra. Isso é que é ofensa para mim. Pensam que estou aqui para tomar dinheiro, o que é um estupendo erro de avaliação. E, pior do que isso, é a reação. Até nem seria de maldade estar aqui esperando uma moeda, mas para o transeunte essa moeda tem tanto valor que ele chega a atravessar a rua pensando que eu vou pedi-la. Ele não poderia negar a miséria.
Entendo. Atenção, você quer.
Não. Não sou sinaleira. Sou gente. Não pareço isso? Se não pareço, pelo menos falo como gente. Portanto, não mereço ter mais valor do que uma moeda? E olha que nem estava me comparando, mas o transeunte sim. E preferiu ela. É muita falta de respeito.
Com certeza. Tudo merece respeito. Até uma pedra. E quem não respeitá-la, está pronto ao tropêço. Feliz Natal.
U2.
object width="425" height="344">
Nenhum comentário:
Postar um comentário